
O Alzheimer, pelo paciente
Arthur Rivin - O Estado de S.Paulo de 03/02/2010
Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer.
Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando
pacientes com Alzheimer durante anos.
Mas demorei para suspeitar da minha própria aflição.
Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela
começou, há
10 anos, quando estava com 76.
Eu presidia um programa mensal de palestras sobre ética médica e
conhecia a
maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao
material que
já estava preparado para fazer as apresentações.
Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos
são
comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.
Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais
tarde
tive dois pequenos derrames cerebrais
Meu neurologista atribuiu os meus problemas a esses derrames, mas minha
mente continuou a deteriorar.
O golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa
no
hospital onde trabalhava.
Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.
Minha mulher insistiu para eu consultar um médico.
Meu clínico-geral realizou uma série de testes de memória em seu
consultório
e pediu depois uma tomografia PET que diagnostica a doença com 95% de
precisão.
Comecei a ser medicado com Aricept, que tem muitos efeitos colaterais.
Eu me ressenti de dois deles: diarreia e perda de apetite.
Meu médico insistiu para eu continuar. Os efeitos colaterais
desapareceram e
comecei a tomar mais um medicamento, Namenda.
Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem nenhum efeito.
Fui um dos raros felizardos.
Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal.
Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois
Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos, no início do
século
20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de material
desconhecido.
Hoje sabemos que esse material é o acúmulo de uma proteína chamada
beta-amiloide.
A hipótese principal para o mecanismo da doença de Alzheimer é que essa
proteína se acumula nas células do cérebro, provocando uma degeneração
dos
neurônios.
Hoje, há alguns produtos farmacêuticos para limpar essa proteína das
células.
No entanto, as placas de amiloide podem ser detectadas apenas numa
autópsia,
de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram
plenamente a
doença.
Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.
Mas há muitas coisas que aprendemos.
A partir da minha melhora, passei a fazer uma lista de insights que
gostaria
de compartilhar com outras pessoas que enfrentam problemas de memória: -
tenha sempre consigo um caderninho de notas e escreva o que deseja
lembrar
mais tarde.
Quando não conseguir lembrar de um nome, peça para que a pessoa o
repita e
então escreva.
Leia livros.
Faça caminhadas.
Dedique-se ao desenho e à pintura.
Pratique jardinagem.
Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas novas.
Organize o seu dia.
Adote uma dieta saudável, que inclua peixe duas vezes por semana,
frutas e
legumes e vegetais, ácidos graxos ômega 3.
Não se afaste dos amigos e da sua família.
É um conselho que aprendi a duras penas.
Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha
doença
em segredo e isso significou me afastar das pessoas que eu amava.
Mas agora me sinto gratificado ao ver como as pessoas são tolerantes e
como
desejam ajudar.
A doença afeta 1 a cada 8 pessoas com mais de 65 anos e quase a metade
dos
que têm mais de 85.
A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA dobre até
2030.
Sei que, como qualquer outro ser humano, um dia vou morrer.
Assim, certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar
enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações
por
escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver
chance de
recuperação.
Procurei assegurar que aqueles que amo saibam dos meus desejos. Quando
não
souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver
incapacitado, sem nenhuma chance de melhora, quero apenas consolo e
cuidados
paliativos.
ARTHUR RIVIN FOI CLÍNICO-GERAL E É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DA
CALIFÓRNIA

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